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Quem é este ausente?

Quem é este ausente?

Um ausente é alguém que não está, que já não é, alguém que não se encontra presente…no presente. Todos sentimos saudades de alguém que se encontra ausente (curiosa expressão esta, «encontra ausente», ou seja, que se encontra no lugar da ausência, existe mesmo não estando presente, é uma memória). Esse alguém pode estar longe de nós (noutro país, por exemplo), pode ter morrido, ou simplesmente ter escolhido deixar de fazer parte da nossa  vida (a forma mais dolorosa de ausência? Então e quando somos nós que deixamos de fazer parte da nossa vida?).

Seja qual for o motivo, a ausência de alguém que valorizamos afectivamente é sempre uma experiência dolorosa… e tudo o que é emocional também se reflecte a nível físico.

O aparelho emocional e todas as suas dinâmicas existem essencialmente com o propósito de nos proteger. Por isso o lugar da ausência é usualmente preenchido por alguma coisa ou alguém que teoricamente (mas só em teoria) poderá substituir aquilo que perdemos. E o mecanismo prioritário de substituição são as lembranças (acto mental através do qual é reproduzido o passado- as memórias). Embora em determinadas situações as lembranças possam ser dolorosas, mesmo assim doem menos do que a ausência total, o vazio, o espaço por preencher (que normalmente nos deixa perdidos e confusos… cheios de vazio).

É através deste farol do passado, e da forma como o usamos para servir de instrumento de orientação, que se constrói a nossa História pessoal (será História, ou um Livro de Contos escrito com a tinta das memórias?). Através desta História, das personagens e aventuras que a compõem, construímos também o nosso presente (ou será o presente que se constrói através das nossas leituras da realidade?); neste processo de construção, acabam por ser tecidas novas lembranças, num processo constante que aos poucos vai assim dando lugar ao que normalmente se chama a nossa História de Vida. É suposto lembrarmo-nos das nossas lembranças? Sim é… caso contrário, a nossa História fica como uma manta de retalhos esburacada.

Mas existe quem insista… “quero esquecer-me do passado”; “nem me quero lembrar disso”… (é impossível esquecer algo que se quer esquecer, e que por isso é sempre relembrado…).

Imagine que de repente esquece tudo o que foi emocionalmente doloroso… proponho que faça esse exercício… não consegue?.. é porque quando tenta esquecer acaba por doer ainda mais! O que anestesia a dor emocional não é tentar esquecer… é integrar… é aceitar!

Mesmo assim existe quem se esforce (quem faça esforço, gastando assim a energia necessária para continuar a “viagem”), fazendo várias tentativas para passar borrachas no passado… se for leitor, pegue no seu livro favorito e arranque-lhe todas as páginas que não gostou de ler… assim estragará o seu livro favorito… da mesma forma, se conseguisse esquecer episódios importantes da sua vida (agradáveis ou dolorosos), estragaria aquele que deveria ser o seu livro favorito: a História da sua Vida (desse livro só existe um exemplar, único e irrepetível… não é possível fazer cópias).

Quando se tenta desesperadamente esquecer episódios do passado, acaba-se por ficar incompleto, porque se desvaloriza as lições aprendidas e as experiências vividas… aumenta-se assim a probabilidade de cometer os mesmos erros… vezes sem conta… “não sei como caí na mesma asneira”…; “parece que já me esqueci de tudo o que vivi no passado…”; “parece que não aprendi nada…”; “a minha história é como um ciclo que se repete”…

Todo o seu passado desaguou aqui… neste presente… neste momento em que lê (porque assim o decidiu) estas palavras. Bastava um pequeno desvio de percurso para neste momento estar noutro local, com outras pessoas, a fazer outro tipo de coisas… bastava que no passado tivesse feito um desvio de percurso, para que neste momento, por exemplo, pudesse não ter na sua vida as pessoas que mais valorizaver as pessoas que valorizamos serem arrancadas da nossa vida dói muito!

Por vezes dizemos com satisfação “Tenho muito orgulho daquilo que sou”, sem darmos conta que isso implica, inevitável e consequentemente, ter muito orgulho daquilo que se foi. Por isso, quando procuramos esquecer o passado (apenas porque em determinadas alturas foi/ou é doloroso, acabamos por fazer desvios de percurso, percorrendo atalhos que nos conduzem a sítios que podem eventualmente ser… mais dolorosos. Ou podemos simplesmente acabar por correr vários riscos ou até acabarmos por nos perder na viagem.

Talvez o maior desses risco seja este: e se na História da nossa Vida, faltar o actor principal? E se a grande ausência da sua vida for você?

E se um dia olhar para trás, quase como quem se vê ao espelho e tiver de se questionar… Quem é este Ausente e como veio aqui parar?

Rolando Andrade

Psicólogo Clínico

Psicoterapeuta

Psicólogo do Desporto

Cédula profissional O.P.P 4365

 

3 Comments
  • António Oliveira
    2 January, 2021 at 19:55

    “E se um dia olhar para trás, quase como quem se vê ao espelho e tiver de se questionar… Quem é este Ausente e como veio aqui parar?”
    Muitas vezes faço-me essa pergunta quando me olho ao espelho.

    “Embora em determinadas situações as lembranças possam ser dolorosas, mesmo assim doem menos do que a ausência total, o vazio, o espaço por preencher (que normalmente nos deixa perdidos e confusos… cheios de vazio).”
    Compreendo muito bem isto.

  • Felix Meyer
    17 July, 2024 at 1:28

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