Luto(s)
Ausência… falta… perda… saudade… dor…impotência… revolta. São apenas palavras que se encontram em qualquer dicionário, mas nos dicionários emocionais de alguns de nós podem desencadear coisas poderosas e dolorosas.
Porque dói a ausência? Dói essencialmente porque somos confrontados com uma dura verdade. Aquela pessoa que valorizávamos agora só existe no plano das memórias. Quando nos deparamos com a realidade, essa pessoa já não está lá (por vezes nunca mais) e essa falta é geradora de um vazio. Mas as nossas memórias estão carregadas de emoções (“eu ando sempre bem, menos quando se toca nesses assuntos”), fazendo-nos recordar a toda a hora, e é estranho porque parece que o que se perdeu existe, ou pelo menos desejávamos que existisse… “isto parece mentira”; “parece que estou num sonho ou num filme”. Aquilo que antes vivia fora de nós, passa a ter vida própria dentro de nós.
O Luto é um processo normal; é normal sofrer quando se está em Luto e todas as pessoas vivenciam perdas e lutos. Não é preciso que alguém morra para estarmos em Luto. Esse alguém pode simplesmente deixar de fazer parte da nossa vida (por exemplo num divórcio), ter-nos abandonado (às vezes quando morre alguém, sentimos que fomos abandonados), pode-nos ter desiludido ou então deixar de nos valorizar como antes. Ou podemos perder a saúde, a independência, ou aquele emprego ao qual atribuíamos tanta importância. Quase sempre estas perdas nos fazem sentir raiva, nos inibem, nos impedem emocionalmente de fazer ou ser o que antes era natural em nós. É por isso que a inibição e a falta de interesse são os principais sinais do processo de Luto.
Quando perdemos, sentimo-nos ameaçados, porque temos tendência a sentir que o dano é irreparável, quase como uma amputação (“a minha vida nunca mais vai ser a mesma”). Chegar a uma aceitação dessa perda leva tempo e cada um tem o seu próprio tempo. A reacção às perdas sofridas (os lutos) está pois dependente de um conjunto de factores e processos de natureza complexa.
Depressão e Luto não são sinónimos, embora se apresentem de forma semelhante. Acontece que muitas vezes as pessoas julgam estar deprimidas, quando na verdade estão num processo de Luto. Talvez uma das grandes diferenças seja que a pessoa deprimida pode não saber (racional ou emocionalmente) porque está deprimida, ou pode mesmo nem reconhecer a sua Depressão. Ao contrário, a pessoa em Luto, normalmente sabe porque está em Luto. “Fiquei com uma depressão após a morte de um familiar…”; “fiquei deprimido depois de ter perdido aquele emprego…”; “aquela pessoa desiludiu-me tanto, que nunca mais fui o mesmo”. Estas normalmente são pistas que nos indicam que a pessoa está envolvida num processo de Luto e não em Depressão.
Porque dói a perda? Dói porque perder implica confrontar-se com impressões desagradáveis. Mas, tão importante como a perda é aquilo que o que foi perdido representava dentro de nós… nesse sentido, a elaboração do Luto pressupõe sempre a compreensão do significado da perda. Chegar a uma aceitação da perda sofrida leva tempo, mas o tempo não cura tudo, o que cura é o que se faz com o tempo.
Durante o trabalho de luto é exigido às pessoas que se libertem e abandonem os seus velhos esquemas de funcionamento mental e emocional, para que se confrontem com a realidade: aquilo que foi perdido, pode estar para sempre perdido. Aos poucos, este processo de aceitação faz com que as pessoas se desvinculem dos laços emocionais previamente estabelecidos, para que dessa forma possam reinvestir as suas energias em novas pessoas ou vivências.
Cada um precisa do seu tempo e da sua “dose” de sofrimento (embora alguns se comportem como se não tivesse doído). Por isso não há lutos iguais, nem na forma como se apresentam, nem na porção de tempo que duram (querer que os outros sofram a perda como nós sofreríamos é injusto). O tempo é aliás uma dimensão que fica comprometida quando a pessoa está em Luto, “parece que já estou assim há anos”, “já nem me lembro como era antes de isso acontecer”.
É fundamental respeitar quem está em Luto, permitindo-lhe sofrer a dor que precisa sofrer, ao seu próprio ritmo, sem pressas mas também sem hesitações, sempre com a noção de que quando se perde alguma coisa ou alguém valorizado, é sempre um pedaço de nós que se perde. Como diria Teixeira de Pascoaes:
“Pega esta lágrima no chão vertida,
Abandonada… e olha-a com fervor,
Que nela vai a parte de uma vida…”
Rolando Andrade
Psicólogo Clínico
Psicoterapeuta
Cédula profissional O.P.P 4365