Não Sinto Nada

Não Sinto Nada

“É como se não tivesse nada dentro de mim, não sinto nada!”

“Então isso é muito grave!”…

Como disse Samuel Beckett, “Nada é mais real que o nada”.

Não sentir, ou como usualmente se diz, não sentir nada, é preocupante. É algo apenas possível em determinadas condições patológicas de natureza física, neurológica ou psiquiátrica.

Do ponto de vista emocional, o que acontece é que em condições normais, existem pessoas que para quem é difícil tornar consciente ou admitir aquilo que realmente sentem que faz doer… o vazio, a insignificância (da qual todos temos medo), o desespero, o medo, a raiva, a infelicidade… “isto mexe tanto comigo que nem quero pensar, assim pelo menos não sinto nada” (não sinto o nada que sinto que sou, ou que me tornei). Para estas pessoas a capa de Super-Homem revela-se quando afirmam não sentir nada acerca de algo potencialmente doloroso.

O Nada e o Tudo… “aquela pessoa era tudo para mim, agora não tenho nada”; “Dei tudo naquele emprego, mas afinal não valeu de nada”; “Já fui uma pessoa feliz, com tudo… agora não tenho nada”.

Na verdade, quando aquilo que se sente é muito doloroso ou ameaçador, torna-se impensável, indizível e emocionalmente ameaçador. Torna-se tudo acerca do qual não conseguimos (não podemos) sentir nada, “isto é tão forte, que às vezes até parece que nem sinto nada”. Quase como se por magia, tivéssemos a fórmula mágica da anestesia emocional.

Por isso há muitas pessoas que fingem ser felizes, porque afinal é preciso muita coragem para admitir a infelicidade e a frustração. Normalmente estas pessoas passam a imagem de estar bem com tudo, aceitam tudo com um sorriso e aparente valentia, admitem tudo… fazem tudo por tudo para não admitir a dor, a angústia, o terror emocional que as invade, o “Nada”. “Todos me dizem que não ando bem, mas eu não concordo”.

Por vezes estas pessoas, que teoricamente não sentem nada, vão dando sinais (como se fossem pequenas válvulas de escape da imensa pressão emocional que os invade); “ninguém gosta de mim…; “não vale a pena fazer nada…”; “nada me satisfaz…”; “procurei ajuda porque insistiram comigo, mas eu acho que não preciso”; “é melhor não falar sobre isso, há coisas das quais nem me quero recordar, nem pensar…”.

No entanto esta vida de trapezista emocional é dura e cansativa… não se pode falhar, porque no mundo emocional nem sempre há redes de segurança, principalmente quando se diz que não se sente nada, que não se precisa de nada (nada infeliz, nada frustrado, nada insatisfeito, nada cansado), e portanto aqueles que nos poderiam ajudar já lá não estarão…

Lentamente, sem damos por isso, o tempo revela-se perante nós sobre a forma de verdade: afinal o “nada” que se sentia transforma-se num violento tudo… “tudo me corre mal”; “tudo me incomoda”; “tudo me aborrece”; “todos me abandonaram”; “tudo me causa infelicidade”. Tudo (até o que é teoricamente bom e desejável) pode ser afinal, fonte de infelicidade e sofrimento. Tudo era fonte desse “Nada” que se tentava esconder…

Como disse, salvo raras excepções, normalmente de natureza patológica, é impossível não sentir… dizer que não se sente nada, “não sinto nada, é-me indiferente”, “afinal sente…nesse caso sente indiferença”, é um disfarce, uma defesa que se gasta com o tempo e que serve apenas para esconder aquilo que realmente sentimos, ou seja, quem realmente somos…

Como se gasta com o tempo, este disfarce acaba, mais tarde ou mais cedo, por revelar os nossos medos, inseguranças, desamores, derrotas, infelicidades e frustrações. E aí podemos descobrir que esses pequenos “nadas” que sentíamos, afinal sempre foram tudo que nos impediu de viver uma vida de acordo com aquilo que nos preenche, satisfaz e pode fazer feliz.

Rolando Andrade

Psicólogo Clínico

Psicoterapeuta

Psicólogo do Desporto

Cédula profissional O.P.P 4365

7 Comments
  • Eileen
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    Eu sempre vivi com a minha mãe e éramos sozinhas; morávamos sozinhas faziamos tudo sozinhas, eu era muito ligada a ela!. Ela desmaiou e sangrou, eu a vi desmaiada e chamei ajuda, depois fiquei nas casa da minha tia,
    ela saiu do hospital e eu estava a esperando, ficamos lá por 3 meses, até que chamaram a ambulância e ela não resistiu, no entando eu estava no quarto assistindo filme com meus primos mas vi a minha tia chorar no telefone, sem entender nada eu estava feliz ali esperando a minha mãe, isso virou um trauma meu pai me buscou no mesmo instante e nunca mais eu ouvi falar da minha mãe, ou tive um laço amoroso e afetuoso. Eu moro neste trauma de meus 6 anos e vivo em uma “bolha” pois eu não sinto medo ou entendo o que é a morte… Eu quero muito deixar ela descansar e poder entender como é a vida! Obrigada e tchau! ♥️

  • Delmar
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