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Curandeiros emocionais

Curandeiros emocionais

 

“Não vamos esquecer que as emoções
  são os grandes capitães de nossas vidas,
nós obedecemos-lhes sem nos apercebermos.”
                           Vincent Van Gogh

 

Actualmente tudo parece necessitar de uma lógica, de uma validação, ou algo em que se possa acreditar para que passe a ser encarado como verdade. Como se de certa forma apenas fosse verdadeiro aquilo que se conhece e domina.

Talvez devido a isso, as pessoas sintam tanta necessidade de fazer perguntas e obter respostas, porque a curiosidade faz parte da natureza humana, tanto como o medo do desconhecido ou daquilo que não se domina na totalidade.

Se há uma área onde isso é bastante evidente, é no que diz respeito às emocões, principalmente porque, por um lado, as emoções exercem uma enorme influência sobre o comportamento humano, e por outro lado, não se deixam capturar pelas lógicas da racionalidade, continuando assim em grande medida, a ser um território desconhecido de acordo com as lógicas humanas.

Acredito que esse é, em grande medida, o motivo pelo qual a partilha das emoções entre as pessoas, continua a ser fonte de grande desconforto, não só para quem verbaliza aquilo que sente, como para quem ouve aquilo que a outra pessoa sente.

Funciona quase como se não fosse natural fazê-lo, o que faz com que quem as partilha se sinta desnudado e exposto, e as quem ouve se sinta forçado a encontrar soluções ou a ter uma resposta imediata e eficaz. É como se quem se expõe sinta necessidade de abrir os ouvidos, na expectativa de obter respostas, enquanto quem ouve, sinta necessidade de abrir a boca, com o objectivo de tranquilizar o outro.

Esta dinâmica emocional e comunicacional, parece fazer com que sempre que alguém partilha as suas emoções, espere obter uma resposta. É daqui que surgem aquilo que, figuradamente falando, chamo de Curandeiros Emocionais, que são como uma espécie de mágicos da lâmpada, sempre prontos a dar aos outros algo que represente a solução para os seus desarranjos emocionais.

Os curandeiros emocionais podem ter várias tipologias, de acordo com os dotes que aparentam ter, tais como:

O Adivinho é aquele que julga saber o que os outros sentem, e que normalmente revela os seus dotes quando afirma ao outro que imagina o que ele sente.

O Juíz Emocional é aquele que tem o dom de ajuizar pelo outro, afirmando que não tem motivos para estar assim, que não vale a pena valorizar determinadas situações, ou que o melhor será deixar o que se sente para trás das costas, porque tristezas não pagam dívidas.

O Anestesista Emocional tenta aliviar o que os outros sentem, mostrando-lhes que existem pessoas em pior situação, ou que sofrem mais, ou então que se o assunto for entregue ao esquecimento, as emoções acabarão por doer menos e perder a sua força.

O Contador de Histórias, que pensa conseguir relativizar as emoções dos outros, revelando que também já passou pelo mesmo, e que no fim saiu ileso, tentando assim mostra através de uma narrativa, que o importante é colocar as emoções numa perspectiva diferente.

O Alquimista sabe sempre que existe um químico adequado à situação, e conhece sempre alguém que já foi uma cobaia bem sucedida desse químico.

O Equilibrista conhece a via de saída de determinadas situações, bem como qual o comportamento certo perante aquilo que os outros sentem.

O Arquitecto Emocional é aquele que indica ao outro aquilo que deve ser feito, porque julga ter sempre o plano adequado a cada situação.

O Ilusionista: tem sempre um truque na cartola, que em teoria, acabará por fazer com que o outro se sinta melhor.

Todas as pessoas têm um pouco destes dotes de curandeiro dentro de si, sobretudo porque também esperam um dia ser orientadas quando não souberem o que fazer com aquilo que sentem. Por isso, e por não saberem o que fazer quando alguém deposita nas suas mãos o peso das emoções, a maioria tenta dar uma solução rápida para o sofrimento alheio.

No entanto, no que às emoções diz respeito, este tipo de reacções e expectativas, é contrária à construção de verdadeiros laços de empatia, e em nada ajuda os outros, especialmente quando estes se sentem frágeis, vulneráveis, perdidos e desamparados.

Como as emoções são sempre propriedade privada, são algo de pessoal e intransmissível, é impossível imaginar o que as outras pessoas sentem.

Por outro lado, não há emoções certas nem erradas, não existem emoções legítimas nem outras que devam ser consideradas desadequadas. Como são um fenómeno de natureza subjectiva, as emoções não se coadunam com lógicas objectivas e comprováveis, que se apliquem a todos de igual forma. Isso faz com que não existam manuais de instruções para lidar com as emoções de cada um.

É por isso que quando alguém partilha o que sente, não significa que tenha de existir uma resposta ou uma solução. Podemos ajudá-lo a sentir-se ouvido e aceite, mostrando que existe alguém que comunga da sua alegria, do seu sofrimento ou das suas preocupações.

Perante isto, a verdadeira empatia reside no acto de escutar aquilo que o outro sente, de forma aberta e espontânea, sem ter a preocupação de ter respostas ou soluções, ou de tentar ser uma espécie de curandeiro emocional.


Rolando Andrade

Psicólogo Clínico

Psicoterapeuta

Psicólogo do Desporto

Cédula profissional O.P.P 4365

 

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